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quinta-feira, 18 de julho de 2013

LUIZ CARLOS AZENHA: "O jornalismo praticado no Brasil muitas vezes visa à desmoralização da política."


   Luiz Carlos Azenha é jornalista formado na Universidade de São Paulo (USP) pela Escola de Comunicações e Artes (ECA). Trabalhou com jornalismo esportivo e foi correspondente internacional pela Rede Manchete. Além de ter trabalhado em grandes veículos de comunicação como a Folha de S. Paulo, SBT, Rede Globo e - atualmente - Rede Record. Em meados de 2003, criou o blog Viomundo. - inicialmente hospedado no site Globo.com - pois suas reportagens não iam ao ar completas. Para suprir essa falta de informação, Azenha criou o blog. Suas divergências com a Rede Globo iniciaram em 2006, quando não considerou correta a postura da emissora diante as eleições daquele ano. Para o jornalista, a emissora tinha Partido Político e, sendo assim, defendia os seus interesses através do jornalismo. Em 2008, rompeu o contrato com a Rede Globo e foi para Washington. Lá, estudou a internet com o intuito de ampliar o seu blog nacionalmente. Segundo Azenha, o Viomundo faz crítica de mídia, é um blog de esquerda - ideologia que o representa -, tem conteúdos diferentes dos jornais tradicionais. Pois - afirma o jornalista - "no Brasil os jornais são conservadores. A Folha, o Estadão são jornais de direita. Conservadores." E, acrescenta: "Existe um grande grupo no Brasil que não é representado pela mídia". Ganhador de dois prêmios Vladimir Herzog, Azenha defende a democratização da comunicação.

MAIARA MARINHO: O jornalismo como é feito no Brasil teria espaço em uma sociedade com conhecimento capaz de criticar a política coerentemente?


Luiz Carlos Azenha: O jornalismo praticado no Brasil muitas vezes visa à desmoralização da política. Foca nos corruptos mas não nos corruptores. Motivo? Os corruptores são muitas vezes os grandes patrocinadores do jornalismo. Bancos, empreiteiras, empresas de transporte e assim por diante. Desmoralizar a política é uma forma de garantir o papel central da mídia no próprio jogo político. Da às corporações midiáticas, por exemplo, o poder de barganha necessário à aprovação ou rejeição de leis que beneficiem seus interesses. Sim, porque a informação deixou de ser o produto principal das corporações midiáticas, que ganham dinheiro em várias atividades "paralelas". Ter o poder de barganha permite à Globo, por exemplo, obter benefícios em todas as áreas e esferas do poder: municipal, estadual, federal, Legislativo, Executivo, Judiciário. A mídia é parte da construção oligárquica, basta ver quem são os políticos/empresários afiliados às grandes empresas de comunicação. É uma espécie de conluio, uma panelinha de poucos. Nesse sentido, talvez apenas o México tenha uma concentração de poder midiático maior que o Brasil.


MM: As empresas de TV aberta apresentam a mesma perspectiva para a sociedade? 

LCA: As empresas de TV aberta se distinguem dos grandes conglomerados impressos (Folha/UOL/associados, Estadão/Eldorado/associados, Veja/MTV/associados) pela completa ênfase no entretenimento ou no que o jornalista José Arbex Jr. chamou de showrnalismo. Nenhuma delas cumpre a Constituição no que diz respeito aos conteúdos regionais, por exemplo. Como os capítulos da Constituição de 1988 relativos à comunicação nunca foram regulamentados, ficam à vontade para exercer a propriedade cruzada (quando uma mesma empresa tem emissora de TV, rádio e jornal no mesmo mercado, o que em muitos países é proibido por concentrar poder em apenas um grupo econômico).

MM: A televisão tem influência capaz para educar um cidadão?

LCA: Considerando o número de horas que o brasileiro passa por dia diante da TV, sim. Educar ou deseducar. Pior que isso, a TV muitas vezes promove ou reforça preconceitos, concorre para sexualizar precocemente as crianças, promove o consumismo, enfatiza os valores de um mundo individualista e baseado no dinheirismo.


MM: A censura é uma defesa ideológica não assumida nas grandes empresas de jornalismo?

LCA: As corporações da mídia, no Brasil, pretendem "pairar" sobre a sociedade, como se não fizessem parte dela, nem interferissem nas escolhas dos brasileiros em todos os campos. Comportam-se como árbitros, como se a troca de canal no controle remoto fosse equivalente a uma escolha feita em plebiscito ou eleição. Esquecem-se que o público só pode escolher dentro de uma campo limitado de ofertas. Por isso, milhões de jovens pretendem exercer suas próprias escolhas na internet. Ficaram livres da ditadura da grade de programação, que ironicamente é mesmo uma "grade" que faz prisioneiros. Estes mesmos jovens sabem que as corporações de mídia são empresas com seus próprios interesses e fazem escolhas de acordo com seus interesses. Mentem, distorcem e omitem e se dizem "neutras".


MM: A Rede Record, o SBT, a Bandeirantes e a Rede Globo se diferenciam entre si em que aspecto especificamente?

LCA: A Globo foi gestada nos laboratórios da ditadura militar como um veículo para promover a "integração nacional". A Globo acompanhou a expansão da rede de microondas (antenas) da Embratel para atingir todo o país. Foi beneficiada desde então por uma rede construída com dinheiro público. Portanto, a Globo é um dos símbolos do que resta da ditadura militar no Brasil e tem uma longa história de manipulações políticas, na qual é imbatível em relação às concorrentes. A Globo engole hoje quase 50% de todos os recursos publicitários do governo federal.


MM: Com as manifestações a mídia independente tem a chance de se fixar capaz de ganhar confiança e espaço no país?

LCA: Sim, por dois motivos: por mostrar muitas vezes ao vivo e sem filtro os acontecimentos; por causa do cansaço dos jovens com o formato do conteúdo dos meios tradicionais (formalismo dos repórteres, por exemplo, quando a mídia livre é muito mais descontraída).


MM: O que você considera como depredação e vandalismo nas manifestações?

LCA: Os manifestantes argumentam que tudo está incluído na política. Que as depredações e o vandalismo são formas de protestar, por exemplo, contra o poder público ou o poder econômico que também cometem crimes graves e amplos. Pessoalmente não acredito em manifestações violentas ou destrutivas, mas acho necessário que os jornalistas olhem também para os abusos do poder do estado, especialmente os cometidos pela polícia. Esta violência às vezes explica (sem justificar) aquela.


MM: Você acredita que com a regulamentação dos meios de comunicação haverá pluralidade e democracia no jornalismo?

LCA: A regulamentação é um dado da realidade em todos os países desenvolvidos. Regulamenta-se a distribuição de gás, o transporte público e a distribuição de energia elétrica. Todos são concessões públicas. Portanto, por que não regulamentar as emissoras de rádio e TV, que são concessões públicas? No Reino Unido o órgão regulador é o Ofcom, que influi inclusive no conteúdo, além de ter poder para punir quem fizer coberturas jornalísticas distorcidas. Notem que há uma distinção clara: estamos falando das emissoras de rádio e TV.
Nada a ver com a imprensa escrita, os jornais e as revistas. Com a regulamentação você pode exigir diversidade de conteúdo, diversidade regional, coibir crimes jornalísticos (exemplo? Escola Base) e combater a propriedade cruzada, aquela que permite à família Sarney, por exemplo, ter a principal emissora de TV, de rádio e o principal jornal de São Luís do Maranhão, através dos quais controla a política local.

MM: Quais as consequências sociais da distorção dos fatos e do jornalismo tendencioso?

LCA: As consequências são para a própria democracia, na medida em que meia dúzia de famílias exercem sem moderação um poder para a qual não foram eleitas. Escolhem pautas políticas, candidatos, assuntos que devem ou não ser divulgados, influenciam em eleições e fazem pressão sobre todos os poderes constituídos, em todas as esferas. Distorcem a economia ao fazer campanhas pelo aumento da taxa de juros ou contra os sindicatos. Atacam programas sociais e pregam a privataria. O que reservam aos que discordam? Assassinatos de caráter, através dos quais destroem reputações de juízes, delegados, senadores, deputados, prefeitos e assim sucessivamente. Jornalismo investigativo de encomenda, com reportagens para atacar adversários. Tudo isso distorce a democracia, na medida em que meia dúzia de empresários falam com grande força, enquanto milhões não tem voz (nem mesmo em rádios comunitárias, pequenos jornais ou blogs), seja por falta de verbas publicitárias (concentradas com os grandes), seja por falta de acesso (os grandes meios se concentram no eixo Rio-São Paulo), seja por perseguição (a Polícia Federal e a Anatel, provocadas por grandes emissores, atacam as pequenas sob a alegação de que são piratas).


MM: Como modificar a estrutura “senso comum” na sociedade com o jornalismo?

LCA: Educação. Toda ação política é altamente educativa. Por exemplo, com o Projeto de Iniciativa Popular do Forum Nacional pela Democratização da Mídia pretendemos fazer com que o Congresso aprecie uma lei para regulamentar a mídia eletrônica, que se encontra neste endereço. Dependemos das assinaturas de todos: